terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Há chefes de sobra, mas faltam líderes
Se há uma coisa em falta no mercado, são líderes de verdade e é fácil perceber isso. Basta analisar a cena política para confirmar a tese de que a renovação não vem ocorrendo e que ainda estamos reféns de velhos caciques, parlamentares com uma visão ultrapassada e que cultivam vícios inomináveis. Mas o problema não se localiza apenas no mundo da política, mas também nas organizações públicas e privadas, onde, com raras exceções, impera a mediocridade ou emergem dirigentes mais preocupados com os interesses empresariais (ou pessoais, sobretudo comum na esfera pública) do que com o interesse público.
A observação não é apenas nossa, não é apenas fruto de uma avaliação particular, mas está respaldada em recente pesquisa da Empreenda, uma consultoria empresarial, em parceria com a HSM, com forte atuação na área da educação executiva. Segundo César Souza, presidente da Empreenda, em reportagem publicada pelo Estadão no dia 24 de dezembro último, "as empresas não vão conseguir executar o que planejam porque não têm gente".
Já estamos carecas de saber que um dos gargalos maiores para o crescimento brasileiro se situa na nossa educação deficiente, na precariedade do nosso ensino formal, que cada vez mais privilegia a quantidade em detrimento da qualidade, entregando para o mercado e para a sociedade profissionais sem a competência adequada para promover nossa alavancagem em direção ao desenvolvimento. Temos universidades e cursos demais, mas o nível permanece (ressalvadas as situações de praxe) no fundo do poço, com a complacência e a omissão das autoridades e a ganância de boa parte dos nossos empresários da educação.
Dados recentes evidenciam a carência de profissionais especializados (engenheiros, técnicos etc) e particularmente as empresas e o Governo andam de cabeça quente por causa desta situação. Nada indica que o cenário possa mudar a curto e médio prazos e não há luz no fim do túnel.
Segundo a pesquisa Empreenda/HSM, a escassez de líderes não vai permitir que as estratégias definidas em direção ao desenvolvimento sejam cumpridas e, portanto, o futuro está mais do que ameaçado. O Brasil pode não crescer como prevê ou pelo menos alguns setores permanecerão não competitivos, perdendo o bonde da história. Mas por que acontece isso? Por vários motivos, mas é possível, de imediato, apontar 2 deles: a) formação inadequada dos profissionais; b) a cultura das organizações que advoga uma gestão de pessoas absolutamente equivocada.
A formação dos profissionais não está comprometida apenas porque o ensino é deficiente, mas também pelo perfil dos nossos cursos que mais parecem de adestramento do que de desenvolvimento pessoal e profissional. As nossas escolas, as nossas universidades, por uma visão pragmática e pouco sintonizada com a era do conhecimento e da inovação, insistem em repetir velhas fórmulas, contemplando uma proposta pedagógica que apenas se limita a "ensinar o que já se conhece". Não estamos estimulando a descoberta, estamos relegando a reflexão e o debate a um segundo plano. Os professores (mesmo e principalmente os universitários pela responsabilidade que deveriam ter na preparação dos alunos para esta mediação com o mercado e a sociedade) parecem mesmo preferir estudantes que os imitam, que não os questionam, eternizando essa república de doutores que ainda mantêm resquícios daquela educação bancária, autoritária, acidamente criticamente por Paulo Freire, este sim um educador de mão cheia, difícil de se encontrar nos dias atuais.
As universidades chegam a proclamar à época do vestibular a sua relação com o mercado, mas contemplam um cenário ultrapassado, dinossáurico, que ainda vê os futuros profissionais como mão-de-obra, treinados para exercer funções e executar atividades meramente reprodutivas. Neste sentido, acabam conseguindo formar funcionários para seguir ordens, esmeram-se na formação de súditos do rei, de meros imitadores. A capacitação de líderes acaba sendo esquecida e por isso o mercado se ressente de pessoas com espírito de iniciativa, criativos, que não tenham receio de ousar.
A cultura das nossas organizações - e por extensão o processo de gestão - privilegia a visão conservadora, que vê as chefias como elementos de confiança e não como líderes autênticos, capazes de mobilizar as mentes, de incentivar a participação e que sejam mais humanos e mais justos. A última crise tornou insuportável o assédio moral nas empresas, com chefias incompetentes pressionando os seus subordinados para a obtenção de resultados a qualquer custo, verdadeiros capatazes que brandem os chicotes e são avessos ao diálogo.
Nossos empresários e executivos (salvemos as exceções) ainda preferem pessoas que andam de cabeça baixa, premiam os que dizem amém, comungam da velha tese de quem pode manda e quem tem juízo obedece, recompensam o tapinha nas costas e o elogio fácil. Demitem sem dó (como fez a Embraer, Vale, instituições bancárias etc) quando a crise bate à porta e alguns infelizmente têm a desfaçatez de praticar o trabalho escravo em pleno século XXI.
A construção de uma nação forte, efetivamente sustentável, passa pela formação de líderes autênticos, afinados com os novos tempos: democráticos, socialmente responsáveis (eta conceito avacalhado pela elite empresarial brasileira!), criativos, que ousam inovar e correr riscos, mas eles são cada vez mais raros.
Na área da comunicação empresarial, onde atuamos, é triste perceber gestores que tentam apenas adivinhar o que os seus chefes pensam, que afrontam os seus princípios e valores (e também os da sociedade) para preservarem seus cargos e salários e que se empenham mais em conquistar prêmios e troféus do que em efetivamente contribuir para uma sociedade mais justa, para a implantação de um clima organizacional saudável.
Em nenhum outro momento, a comunicação interna nas nossas organizações esteve tão deteriorada, tão pouco democrática, com a auto-estima dos chamados "colaboradores" (outra hipocrisia do discurso empresarial) resvalando o rés do chão. Temos chefias demais mas estão faltando os líderes. Com competência, com coragem, com criatividade, com espírito empreendedor, com visão crítica do mundo dos negócios.
Se não dermos um jeito nisso agora, nosso futuro estará definitivamente comprometido. Precisamos de gestores de pessoas e não de chefes do pessoal, de profissionais que confundem autoridade (legitimamente conquistada) com autoritarismo e de dirigentes que aplaudem os puxa-sacos, ainda que incompetentes, porque não são capazes de tolerar a divergência, a crítica, a diversidade de idéias e opiniões.
As empresas do futuro exigem uma nova postura da educação e no mundo do trabalho. Empresários, professores e chefias que buscam apenas formar e adestrar seguidores jamais construirão o país que desejamos. É inconcebível formar profissionais que saibam apenas fazer as coisas que temos hoje: precisamos de líderes que saibam inventar aquelas de que precisaremos amanhã.